*Márcia Brandão Carneiro Leão
Professora de Direito Ambiental
Mackenzie / Campinas - SP
Foto: AFP - BBC Brasil |
O ideal talvez seja começar
pelo licenciamento: a Barragem de Santarém (a
segunda que se rompeu em Bento Rodrigues, Mariana, em seguida à do Fundão, na mesma data) está com a
Licença de Operação vencida desde 2013 (assim como a Mina do Germano,
que faz parte do mesmo complexo). Nesse mesmo ano, o Ministério Público Federal (baseado em laudo produzido pelo Instituto Prístino), alertou para os riscos de
desestabilização e da potencialização de
processos erosivos, provocados pelo contato entre a pilha de rejeitos e a
barragem do Fundão.
As
autoridades ambientais do Estado de Minas Gerais, apesar das advertências, asseveraram,
na oportunidade, que tudo estava “na mais perfeita ordem” e dentro da
legalidade.
Em 6 de
novembro deste ano, acontece o desastre liberando, ao todo, 62 milhões de
metros cúbicos de água e rejeitos de mineração (equivalentes a um terço da
capacidade plena da Represa de Guarapiranga), diretamente no Rio
Doce.
Para se ter
uma idéia do alcance territorial da tragédia, basta lembrar que a Bacia do Rio
Doce - localizada na Região Sudeste e a 5ª maior
bacia hidrográfica brasileira - abrange dois Estados (Minas Gerais e Espírito
Santo), com uma área de 83.400 km² (quase o tamanho da Áustria), desaguando no
mar (em Regência Augusta, município de Linhares, no Espírito Santo).
A partir daí,
tem início uma sucessão de eventos, na qual é difícil de acreditar:
Logo nas
primeiras horas, enquanto a Defesa Civil, bombeiros e voluntários tentavam
socorrer as vítimas do desastre, quem se encarregou de preservar a “cena do
crime” e “investigar” os acontecimentos foi a empresa de segurança privada da própria Samarco,
sob o olhar agradecido e conivente das autoridades responsáveis. Não era
possível obter nenhum tipo de informação da Assessoria de Imprensa e muito
menos, do Governo do Estado de Minas.
O Governo
Federal emitiu uma fria e distante nota na qual lamenta o acidente e trata de
liberar o FGTS da população afetada para que ela trate de “se socorrer” com
suas próprias reservas para o futuro. Generosidade?
Não, apenas transferiram à população o ônus de pagar, com seus próprios
recursos, os prejuízos causados pela Samarco. O que acontecerá a essas pessoas
quando se aposentarem e não tiverem mais o Fundo de Garantia é algo que sequer
foi pensado.
Foram
necessários 3 dias para que o Governador do Estado de Minas (eleito comfinanciamento das mineradoras)
se pronunciasse sobre o acontecido; a coletiva de imprensa convocada teve lugar
nas dependências da sede da Samarco. Não bastasse o insólito da situação, em
sua fala, o Chefe do Executivo mineiro saiu em defesa da empresa, afirmando que
todas as providências estavam sendo tomadas pelo empreendedor.
Daí em
diante, começaram a brotar de todos
os lados, os defensores da mineradora: o Senador Aécio Neves (também financiadopela Vale) exorta a que não se procurem os
culpados e o Secretário de Governo de Desenvolvimento Econômico, Altamir Roso,
classifica a Samarco como vítima.
Em meio a
toda essa onda de “solidariedade”, em nenhum momento, nenhum CEO da Vale,
Samarco, ou BHP Biliton – objetivamente responsáveis pela situação e
seus desdobramentos, do ponto de vista ambiental, civil e provavelmente, penal – apareceu diante das câmeras para prestar nenhum tipo
de esclarecimento, ou oferecer qualquer tipo de informação. O mínimo que uma
empresa decente e ética deveria fazer, em circunstâncias desesperadoras como
essa, seria montar um centro de atendimento e de informações às vítimas e aos
familiares dos desaparecidos, e isso não aconteceu.
Na Assembléia
Legislativa de Minas, no dia 10/11, foi formada uma Comissão para investigar as
causas e impactos do “acidente”, composta
por 15 Deputados Estaduais, sobre sete
dos quais, existem informações de que as campanhas foram financiadas pelo setorde mineração.
O tempo
continua a passar e até o momento em que este artigo está terminando de ser
escrito (12/11/2015, 22:00hs)
nem a Presidente da República, nem a Ministra do Meio Ambiente vieram a público
para se pronunciarem a respeito da tragédia. Apenas hoje, a Presidente encontrou uma brecha na agenda para sobrevoar a
região onde o caos impera.
Enquanto
isso, o “mar de lama” alcançou o
Espírito Santo e já comprometeu o abastecimento de água de mais de 500.000
pessoas, ao longo dos 23 municípios ribeirinhos. Entre eles estão grandes cidades, como Valadares, por exemplo.
Mas a
extensão da tragédia não se restringe às vidas perdidas, aos desaparecidos, à
falta d’água, à impossibilidade de
recuperar cidades, campos e ecossistemas soterrados pela lama - cujo conteúdo
potencialmente tóxico ninguém explicitou - ou mesmo, à constatação do tamanho
da enfermidade que toma conta de nosso Estado Democrático de Direito. Ela é
muito maior do que se pode imaginar e apenas começa a ser estimada e sentida.
A lama que
“chega”, não “passa” totalmente. Ela fica, em boa parte, depositada no fundo do
Rio Doce, conformando um novo leito para o rio, preenchendo o fundo com um
substrato inerte e estéril, onde a vida será praticamente impossível por
aproximadamente 100 anos, segundo estimativas do biólogo Andre Ruschi.
André avalia,
ainda, que cerca
de 10 mil quilômetros quadrados do litoral capixaba serão afetados por alguns
anos, enquanto parte da lama termina de descer, atingindo três Unidades de
Conservação ambiental, entre as quais Santa Cruz, um dos mais importantes criadouros marinhos do Oceano
Atlântico.
Não será
possível retornar às condições preexistentes.
São
impactos socioambientais irreversíveis, que poderiam ter sido evitados e
acontecem exatamente no momento em que governo e poder econômico tentam alterar
as regras do licenciamento ambiental.
A “Agenda
Brasil”, que pretende renovar o fôlego econômico do país, proporcionou as
condições ideais para que proliferassem os projetos de “flexibilização”,
“simplificação” e “desburocratização” do processo de licenciamento ambiental.
Comoreporta Maurício Guetta - advogado do ISA - Instituto Socioambiental - , ao
receber a notícia do desastre, durante o encerramento do seminário
“Licenciamento Ambiental: realidade e perspectivas”: “o licenciamento ambiental
é uma conquista do povo brasileiro e deve ser aprimorado” e as propostas
legislativas que se apresentam, claramente “consideram o meio ambiente e as
populações afetadas, meros entraves ao desenvolvimento”.
Não bastasse essa
movimentação perversa, ainda existe a ameaça representada pelo PL n°37/2011,
que pretende instituir o novo Código de Mineração e que tem como relator, o
deputado federal Leonardo Quintão (PMDB-MG), que teve quase metade de sua
campanha eleitoral financiada por mineradoras. Nas palavras de Guetta, “a
proposta, vale registrar, não traz qualquer medida preventiva ou protetiva ao
meio ambiente e às populações afetadas”.
Um meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida parece, neste momento, apenas um “sonho” constitucional.
Em meio a tanta desinformação e descaso, só uma
certeza dilacera o coração dos brasileiros: o Rio Doce, agora, é apenas
uma fotografia na parede.....mas como dói!!!
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